"O barulho é a tortura do homem de pensamento" (Schopenhauer)

domingo, 3 de abril de 2011

Dependência do ruído!


Exposição constante a sons altos pode levar à dependência

Buzinas de carros, prédios em construção, aviões a rasgar os céus, pessoas a falarem alto, máquinas em funcionamento. Este costuma ser o retrato sonoro de grandes centros urbanos onde vigora o excesso de barulho.

Porque será, então, tão comum ver os moradores desses centros urbanos fugirem ao silêncio? Seja no som do carro, no bar/discoteca ou no leitor de MP3, muita gente procura precisamente estar rodeada de som. A explicação para o paradoxo passa por estímulos químicos. Segundo alguns especialistas, da mesma forma que o exercício e o chocolate, o som liberta no organismo substâncias que geram prazer. O que pode mesmo levar a que algumas pessoas se tornem dependentes de barulho.

Um ruído de 55 decibéis (nível de uma conversa normal) já dá início a um aumento na produção de noradrenalina, afirma Fernando Pimentel-Souza, doutor em psicofarmacologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Por volta de 80 decibéis (equivalente ao ruído de tráfego intenso), tem início a libertação de endorfina. O problema instala-se quando a exposição constante a esses estímulos leva a um quadro crónico.

"A endorfina é analgésica, suprime a dor, suprime a punição que a pessoa sofre, e isso é condicionante de comportamento. Quanto à noradrenalina, ela é prazerosa, o que leva a pessoa a repetir esse tipo de comportamento. Esses mediadores químicos provocam activação cerebral e combatem a depressão nervosa. Quando a pessoa vive num ambiente barulhento, ela está a ser estimulada artificialmente de forma constante e, ao se privar desse barulho, tem a sensação de depressão. Ela fica dependente do barulho que, de certa forma, age farmacologicamente no organismo", explica.

Os neurotransmissores, incluindo a endorfina, são necessários para a passagem do som pelas células nervosas, afirma Luiz Carlos Alves de Sousa, presidente da Sociedade Brasileira de Otologia. "O prazer é químico. O som dispara um gatilho de sensações boas, e a pessoa fica dependente disso."

O estudante André Mirabeli Sanches, 23, ouvia música no volume máximo, e só assim o som lhe causava prazer. "O cérebro parecia ficar anestesiado." A diversão levou-o a instalar no carro um sistema de som "subwoofer". "Sabe aqueles carros que passam fazendo um bum-bum-bum bem grave? É isso", descreve. O ouvido direito de André não aguentou e aos 20 anos, ele descobriu que tinha perdido parte da audição. O problema veio acompanhado de outro sintoma: a hipersensibilidade auditiva. "É como se os sons chegassem amplificados", diz.

Segundo a fonoaudióloga Eliane Schochat, presidente da Academia Brasileira de Audiologia e professora da USP (Universidade de São Paulo), a hiperacusia acomete a maioria das pessoas com perda auditiva de origem coclear (cóclea é a parte anterior do labirinto).

Devido à hipersensibilidade, André pegou o hábito de tapar os ouvidos com as mãos ao andar nas ruas, além de usar protetores de borracha. O problema afectou o contacto com os seus amigos, pois a diversão está geralmente associada a barulho. "Após o trauma, a vida social ficou difícil. Meus amigos chamavam para a balada, e eu inventava desculpas para não ir.". Se ele sabia que o som alto poderia levar à perda auditiva? Sim. "Todo mundo sabe, mas ninguém se importa. Até passar por uma situação traumática."

Vício: De acordo com o psiquiatra Aderbal Vieira Jr., co-responsável pelo ambulatório de dependências não-químicas do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp, um vício pode ser identificado por dois aspectos: o uso disfuncional de alguma coisa, que tanto pode ser uma droga como um jogo, e a incapacidade de se separar daquilo espontaneamente. "É diferente de quem faz muito alguma coisa, mas pára quando quer."



No fim dos anos 90, pesquisadores norte-americanos mostraram que a música também pode causar vício. A equipe, liderada por Mary Florentine, professora de audiologia na Northeastern University, aplicou a um grupo de 90 pessoas um questionário para saber como estas se relacionavam com música alta -as questões eram adaptadas de um exame para diagnosticar alcoolismo. A conclusão foi que cerca de 10% dos entrevistados tinham, em relação à música, o mesmo comportamento que os alcoólatras têm com o álcool.

O estudo não encontrou relação entre o resultado e a idade dos participantes ou o tipo de música que eles ouviam. Apesar de os adolescentes serem mais associados a barulho, os efeitos do sons no organismo são os mesmos em quase todas as faixas etárias. "Crianças pequenas, abaixo de cinco anos, são mais susceptíveis porque não têm a neuromaturação necessária. Depois dessa faixa etária, é tudo a mesma coisa", afirma Schochat.

Efeito emocional: Para Vieira Jr., a liberação de neurotransmissores é uma explicação insuficiente. "Quando falamos de uma sensação prazerosa com som, não sei se o que está por trás é o efeito físico auditivo ou o prazer estético de uma boa experiência. Acho que se trata menos de um fenómeno fisiológico e mais da mensagem que esse fenómeno passa", diz. Segundo o psiquiatra, "tudo que é prazeroso pode levar a um vício", e quando a pessoa sente que perdeu o controle sobre a situação, o ideal é procurar um terapeuta para o diagnóstico. Algumas pessoas também conseguem restabelecer os limites sozinhas.

O engenheiro mexicano Fernando Elizondo Garza, do laboratório de acústica da Universidad Autónoma de Nuevo Léon, dedica-se ao estudo das funções sociais do som e ressalta que a busca por barulho não é necessariamente um vício - pode ser, diz, até como uma forma de se "proteger" de outros ruídos. Ele cita, por exemplo, que, num local silencioso, sons eventuais como uma buzina podem atrapalhar a concentração. Por isso, há quem adquira o hábito de estudar ou dormir com música: ela gera um fundo acústico que minimiza o impacto dos barulhos do exterior.

O fotógrafo Fernando Contin Pilatos, 28, integra o grupo que só dorme assim. "Já fiz o teste. Não consigo dormir sem o rádio ou a TV ligados", conta.

"Estou certo de que pessoas com esse hábito moram em casas ou bairros onde há muito barulho. Como não podem controlar esses ruídos e têm quase certeza de que não haverá silêncio, preferem dormir com o barulho, mesmo que isso signifique um descanso menor." Além disso, afirma Garza, o som pode ser uma ferramenta de isolamento, como no uso do leitor de MP3, e de aproximação social, como numa festa. Em outros casos, o próprio som pode fazer "companhia".

Independentemente dos motivos que levam à busca por barulho, a exposição a sons altos gera danos. "As pessoas necessitam evitar a exposição ao ruído quando ela não é "obrigatória", como nos momentos de lazer", diz Schochat.Além disso, diz ela, é importante fazer exames anuais para avaliar a audição, da mesma forma como muitas já fazem com a visão.


Informação acedida em:

http://www.vocalis.com.br/saude_vocal/arq/060831_chega_de_barulho.html

Sem comentários:

Enviar um comentário